O texto da semana passada deste colunista gerou uma pequena celeuma entre os leitores. Intitulado “Barretos, megaevento da redemocratização brasileira”, o artigo mostrava como a história do mais famoso rodeio do Brasil está intimamente associada ao nascimento da cultura massiva por aqui, hoje formatada por shows em estádios de futebol e multidões hipnotizadas.
Nunca foi intenção do colunista elogiar tal formato, apenas mostrar que festivais como Rock In Rio, Oktoberfest e festas juninas do Nordeste têm todos a mesma história. Foram criados nos anos 80 no contexto de redemocratização da sociedade brasileira. A grande parte dos comentários sequer entendeu o ponto do texto e preferiu culpar o autor por não abordar o sofrimento animal ou passar pano para apoiadores do bolsonarismo. Simplesmente não eram os temas abordados.
Uma das tarefas do historiador, e sou um deles, é mostrar que o atual estado de coisas nem sempre foi assim. Da forma como vejo, isso dá alento, nos permite respirar. Não se trata de endossar um formato de festa, mas de ver transversalmente o tempo e mostrar que as coisas podem ser diferentes.
Não se pode dizer que a história de Barretos seja ligada indissociavelmente às forças mais truculentas das direitas. Barretos, assim como toda música sertaneja, é uma festa massiva. E, como arte massiva, ela está onde o povo está. Não é a música sertaneja que está bolsonarista. É boa parte do povo brasileiro.
Não custa lembrar que por muito pouco Lula não foi derrotado na eleição de 2022. Quase 50% do eleitorado não teve muitas dúvidas em pensar que um novo governo criminoso e golpista de Bolsonaro pudesse ser bom para o país. Assim como o povo brasileiro, a música brasileira está cindida entre apoiadores e resistentes ao fascismo, às vezes até dentro das próprias famílias. Em outras épocas não era assim.
Aproveitando que a festa de Barretos acabou na semana passada e talvez os ânimos estejam mais calmos, vale fazer mais algumas contextualizações históricas sobre esse rodeio e suas relações com as esquerdas.
Além de a arena de Barretos ter sido projetada por Oscar Niemeyer, um comunista histórico, outras figuras históricas das esquerdas foram adotadas pelos barretenses num passado não tão longínquo. Em 1990, o cartunista Ziraldo, um dos criadores do jornal O Pasquim, de oposição à ditadura, foi chamado para fazer o cartaz da festa. Na época, não custa lembrar, a música sertaneja, e por consequência o rodeio de Barretos, era chamada por seus detratores de “a trilha sonora da era Collor”. Foi com essa megafesta “collorida” que Ziraldo resolveu dialogar.
Mais recentemente até o presidente Lula foi aplaudido euforicamente em Barretos. Quando estava sem mandato e ainda não era demonizado por parte da sociedade brasileira, seu nome batizou a ala de tratamento infanto-juvenil do Hospital do Câncer da cidade. Na época do batismo, o ex-presidente estava saindo de um câncer na laringe, o que deu ainda mais sentido à homenagem.
Como se sabe, o famoso Hospital do Câncer de Barretos vive parcialmente de doações, muitas delas oriundas das atividades de rodeios, de íntima ligação benemérita com a instituição de saúde. O evento de inauguração da ala em homenagem a Lula aconteceu em abril de 2013 e contou com a presença do então ex-presidente e do ministro da Saúde Alexandre Padilha. Lula elogiou a instituição: “Não há no país nenhum hospital com o senso de humanismo que vimos aqui”. Um dos mediadores do batismo foi o cantor Sergio Reis, que na época era bastante simpático ao então ex-presidente.
O que parece haver hoje em dia é um complô de direitas e esquerdas. Ambos querem que Barretos e a música sertaneja sejam de direita. É difícil mostrar outros lados diante de tal curiosa união. Enquanto isso, só cabe ao historiador modestamente lembrar: não tem que ser assim. Por que nem sempre foi assim.
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