Kailash Satyarthi: Uma marcha global pela compaixão ativa – 02/08/2023 – Papo de Responsa

Há certas pessoas que quando falam o que nos cabe fazer é ouvir. Ouvir sem ansiedade de buscar perguntas, sem dar asas à mente que se exercita simultaneamente em concordar ou discordar, mas apenas ouvir.

São um tipo de gente que eu diria estar possuída por duas qualidades raras: autenticidade de coração e capacidade de ver mais adiante. Se você sabe ouvir, esta gente contagiante é capaz de mobilizar motivação para agir e também alegria e positividade.

Este é o caso de Kailash Satyarthi, ativista indiano laureado com o Prêmio Nobel da Paz (2014) por haver resgatado em seu país mais de 120 mil crianças do trabalho escravo e do tráfico humano e por haver criado uma inimaginável Marcha Global contra o Trabalho Infantil.

Nos anos 90 essa marcha reuniu milhares de pessoas e organizações sociais em 103 países, entre os quais o Brasil –que, diga-se, ainda hoje tem uma dívida com o ideal de tolerância zero quanto à exploração do trabalho de meninos e meninas em idade de estudar e brincar.

Sua história de enfrentamento das máfias indianas está no tocante documentário The Price of Free, que pode ser visto no Youtube.

Kailash fez a conferência de abertura do Seminário Internacional Trabalho Decente, promovido esta semana em Brasília pelo Tribunal Superior do Trabalho. O presidente do Tribunal, o Ministro Lélio Bentes, é seu amigo pessoal desde muito antes do parceiro ser um Nobel.

Sua fala, de cerca de 40 minutos, fez do auditório do TST, lotado por políticos, juristas e quase uma centena de jovens de escolas públicas, um oceano de emoção e silêncio.

Não era para menos: Kailash Satyarthi narrou episódios tocantes da luta que tem travado na Índia há mais de três décadas, mas sobretudo porque ousou trazer àquele ambiente normalmente árido a faísca do que chama de “compaixão ativa”.

Esta é sua nova marcha global. Para ele, não basta haver empatia diante da crescente pobreza, desigualdade, fome e trabalho escravo que perpetua-se no planeta. É preciso haver compaixão, uma força ativa sem a qual não haverá mudanças profundas.

Satyarthi não é um pregador religioso, embora um ser espiritualizado. Mas sua fala surpreende homens e mulheres de negócios, governantes que conhecem a dor quase sempre através apenas das estatísticas.

Em breve, suas conversas livres com o líder budista Dalai Lama estarão públicas com o lançamento de “The Book of Compassion” (O Livro da Compaixão, editora Penguin).

A Marcha Global Contra o Trabalho Infantil (1998) impulsionou caminhadas de protestos e propostas que mudaram legislações e prioridades de políticas publicas em todo o mundo.

A iniciativa alterou também disposição de empresas para reverem suas práticas de exploração da mão de obra de crianças, muitas vezes assentadas na ideia colonial de que “é melhor trabalhar do que estar nas ruas”.

Naquele momento, uma pesquisa realizada pelo Ibope (se a memória não me passa uma rasteira) a pedido do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, apontava que impressionante maioria das classes A e B acreditava que os “baixinhos” pobres (e normalmente pretos) deveriam trabalhar e não estudar.

Eles deveriam contribuir à renda familiar, enquanto seus filhos (sempre brancos) priorizavam a preparação para ingressar na universidade. O Brasil era esse “xou” de exclusão.

Conheci Kailash me juntando à Marcha Global. Eu dirigia a ANDI –Agência de Notícias dos Direitos da Infância e ele chegava ao Brasil para compartilhar esta luta que já contagiava empresas amigas da criança e imprensa, ONGs e governos (havia nascido o programa Bolsa Escola, que ganhou o mundo como exemplo de política efetiva para uma transformação geracional).

Hoje, estamos juntos em parceria através do Instituto Alok. Aquele homem alto, magro e mobilizador usava roupas brancas, sandália de couro e não havia sido ainda laureado com o Prêmio Nobel. Mas a convicção em seus olhos e a trajetória de coragem vibrante do engenheiro elétrico que deixou uma profissão promissora pelo amor às crianças já fazia uma nova história.

Seus olhos continuam os mesmos. Sua garra não parece ter limite. Suas palavras contém o mesmo fogo e o mesmo mel. Nos cabe ouvi-las e quem sabe trazer a compaixão ativa para cada gesto de nossas vidas, nas empresas e nos poderes, e resgatar em nós mesmos a capacidade de sentir a dor dos outros como nossa própria dor.


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

#Kailash #Satyarthi #Uma #marcha #global #pela #compaixão #ativa #Papo #Responsa

Leave a Comment