Estudo recente publicado pela ONG InSight Crime, que mapeia a violência na América Latina, concluiu que o regime comandado por Nicolás Maduro há dez anos compartilha hoje o poder com organizações armadas criadas ou apoiadas pela própria ditadura. A Venezuela, de acordo com o levantamento, tornou-se “um Estado híbrido, em que a linha entre governança e criminalidade está sendo apagada”.
Assim, o cenário nos mostra um terceiro ator que não pode ser excluído do debate sobre uma possível redemocratização do país. Em meio a um processo duvidoso —o órgão eleitoral não é independente, não haverá observadores europeus e os candidatos da oposição ficaram inelegíveis—, o fortalecimento desses grupos passa a ser determinante para o resultado do pleito. Essas organizações, afinal, ajudam a controlar centros de votação e coagem eleitores com distribuição de alimentos e outros benefícios.
Um dos primeiros desses grupos foram os “colectivos”, criados ainda na gestão de Hugo Chávez (1999-2013). Eram simpatizantes armados e treinados pelas Forças Armadas que tinham uma atuação mista.
Nas comunidades pobres, ocupavam o vazio deixado pelo Estado, com auxílios à população. Por outro lado, ajudavam a reprimir as manifestações antigoverno que ganharam mais força entre 2014 e 2017.
Logo surgiram outros grupos do tipo, como os “pranes”, que atuam sob o comando de presos. Em troca de benefícios nas prisões, os líderes dessas gangues podem mobilizar forças nas ruas em apoio à ditadura.
Maduro assumiu num contexto complicado. Após a morte de Chávez, havia um vazio de poder e de representação. Fraco politicamente, tendo vencido por pouco uma eleição em que não faltaram denúncias de fraude, ele precisava reafirmar sua autoridade e, para tal, contou com a ajuda desses grupos. Enquanto tentava se apresentar como um presidente legítimo, essas agrupações faziam o “jogo sujo” do regime.
Uma mudança importante, porém, ocorreu após a inflação sair do controle e o desabastecimento e a pobreza assolarem a população. O próprio governo já não tinha recursos para pagar essas forças.
A estratégia, então, foi apadrinhar facções que atuavam na mineração ilegal no país, como os chamados “sindicatos”, que exploram trabalhadores e decidem quem pode explorar as minas. Para não ter de pagar esses grupos violentos, Maduro deu a essas organizações poder para atuar livremente e sem respeitar regras ambientais e trabalhistas. Em troca, uma porcentagem da produção vai para o regime.
O diretor-executivo do InSight Crime, Jeremy McDermott, afirma que “a criação deste Estado híbrido permitiu que Maduro continuasse no poder, embora a Venezuela se aproximasse da bancarrota”. “Isso significa que grupos criminosos que administram atividades comerciais ilegais hoje têm proteção do Estado e ganharam legitimidade em várias comunidades no país, das quais garantem a segurança local, administram a Justiça, recolhem impostos e distribuem a assistência social de modo seletivo.”
A tarefa de Maduro para seguir no poder não é simples. Enquanto tenta mostrar à comunidade internacional que suas eleições são limpas, deixa a esses grupos a tarefa de fazer o “jogo sujo” —controlar votos, conter a oposição e perseguir inimigos do regime, sem parecer que obedecem a ordens da ditadura.
Vai ficando cada vez mais difícil esconder o que ocorre no país, e esse cenário mostra, também, que os desafios da oposição e da sociedade venezuelana são muito maiores do que apenas derrotar a ditadura.
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